terça-feira, 18 de dezembro de 2007

O Bosque do Pensamento.

Aos sussurros eu andava devagar por aquele bosque de pensamento. E aos poucos caiam as folhas das minhas memórias naquele chão úmido e fértil... Que tipo de fruto dariam as minhas memórias? Talvez florescessem para criar lembranças permanentes numa árvore.
Do céu caiam as minúsculas gotas cor de âmbar, como chuva que lava devagar. O frio e o vento passavam de quando em vez, como a pregar peças nas pessoas que se aventuravam pelos bosques escuros do pensamento. Era um lugar tão bonito! Todo ele assumia diversos tons que se combinavam de maneira incomum e mágica. Do topo das árvores, pendiam folhas verdes que cintilavam à luz daquele céu cor violeta. E os gravetos, cor de ébano, ramificavam-se cada vez mais até chegarem às finas pontas das copas altas. Em tudo isso, ainda assim, destacava-se a chuva âmbar que fazia todo o ambiente equilibrar-se, dando à pintura um caráter tão etéreo quanto a neblina rala que o cercava.
Nada no bosque era de um todo visível, e ele era, na maior parte do tempo, tão deserto quanto a palma de sua mão. O único som presente era o das folhas sendo esmagadas delicadamente sob meus pés. E do eventual balançar das folhas pelo vento que brincava com elas.
O bosque, porém escondia inúmeros segredos - tanto bons quanto ruins - Mas talvez o mais temeroso deles fosse o fato de não deixar sair facilmente àquele que entrava uma vez em suas terras. O bosque tinha vida própria. Era um ser que pensava e agia, conforme sua vontade. Na verdade, era impossível encontra-lo a todo o momento. Havia lendas contadas primeiramente por mercadores de especiarias - e há tanto tempo, que era impossível saber suas origens - que diziam que só se chegava lá uma única vez na vida, se tivesse sorte. Como se o pensamento em si, entrasse sem aviso em seu caminho, e o fadasse a caminhar por ele até achar a saída no fim de seus labirintos. O bosque do pensamento era cruel. E conforme as lendas foram se espalhando, ele se tornou ainda mais cruel. Dizia-se ainda que ele se alimentava somente da mente humana, e que abrigava cada sombra de idéia que iluminava qualquer das cabeças. O bosque, porém, não era ficção.
Ao certo, não se sabia muito dele. De alguma forma, suas lendas corriam o mundo. E, por meio dessas lendas, o bosque se alimentava e crescia. E mudava. Após terem alcançado o crédito cego de todos os mercadores, foi a vez dos escravos que faziam compras todos os dias acreditarem nelas. E de um pouco em vez, tomadas pelo conhecimento geral, as lendas cresceram junto com o imaginário humano, e o bosque também cresceu.
E não se acreditava muito nelas, ou assim se dizia. Afinal, eram poucos os que se deparavam por aquela terra pintada pelas mais altas divindades. De fato, ao alcançar certa idade, ninguém mais deixava-se ser tolo e sentir medo - ou talvez desejo - pelo pensamento aprisionado nas terras cor de âmbar e ébano. E apesar de ser o destino das brincadeiras infantis - na maioria das vezes -, com a idade adulta, o bosque escondia-se nas cabeças. Talvez só para que a surpresa de encontrá-lo numa das andanças fosse ainda maior. Ninguém acreditava até deparar-se frente a frente, esse é um mal humano. De fato não se pode perguntar muita coisa sobre suas peculiaridades e segredos. Não se pode entender a magia de algo tão simples.
Assim repetiu-se - como tantas outras vezes antes - comigo a história de ver-se de surpresa andando por terras coloridas e estranhamente desertas. Terras aparecidas, de alguma forma e de algum lugar. A ânsia de sair não era maior que o desejo de ficar. Era como se a beleza fosse um consolo para qualquer coisa, e andar por tudo aquilo era como sonhar sem estar dormindo.
Aos poucos, porém, fechavam-se as trilhas. E quem não soubesse disso ficaria lá perdido. Eu não sabia do fechamento das trilhas, que teimavam em mudar de lugar. Não eram poucos os viajantes que se perdiam eternamente por entre a paisagem surreal do bosque do pensamento. E conforme eu andava cuidadosamente, tentando desvencilhar-me de todos os altos arbustos do caminho, sentia ser aquele um bosque infinito. Sua paisagem se repetia a cada centímetro. Um gigantesco Círculo, que se espande com velocidade proporcional aos passos de quem o perambula.
Mas eu já estava no bosque, e minha única saída era a do lado oposto ao de entrada. E só chegaria lá andando. Se é que chegaria lá. Ao contrário do que se pode pensar, o bosque não é um lugar sinistro e negro. Na verdade, sua beleza é de tal forma presente, que consolaria o mais distorcido coração que penetrasse em suas terras. Nunca por lá é noite, nem dia. Não há verão, ou inverno. O bosque funciona por si só. Tem suas próprias estações, que só obedecem à regularidade de seus desejos. Seu céu cor violeta, parece nunca se alterar, porém. É antes de tudo, um lugar encantador.
Mas seu encanto, que jazia em sua crueldade, fazia-me pensar cada vez mais, alimentando-o. E é isso que se deve evitar ao cruzá-lo. Quanto mais se pensa, mais ele cresce. Mas é impossível controlar a cabeça num lugar assim! O bosque crescia a cada passada. E o desejo de sair, não era - e nunca seria maior - do que a vontade de ficar.
Agora, como um lugar tão povoado das mais fantásticas criaturas era tão deserto? E onde moravam as criaturas marinhas e imaginárias do pensamento humano? Haveria um mar de pensamento? No fim das contas, não há por que não. Pensar torna-se mar, se a cabeça, for um navio. Mas não! O pensamento é um vilão. E se não parar por agora, posso não parar nunca mais... E viver no bosque para sempre. E morrer no bosque para sempre. E a lucidez, por fim se tornaria um mal.
Mas se viver no bosque é um dom, abrir mão dele seria o pior dos pecados. Se lhe é oferecido ouro, não é com bronze que se paga o empréstimo. Imagine o que não deve morar em cada mínima toca, em cada um dos pequenos buracos de arvores... A imaginação seria uma aliada - ou não.
Não. Eu não estou perdida aqui. Aqui, faço de mim o desejo de Deus. Aqui, eu sou o meu bosque, e as estações mudarão tendo como o norte os meus desejos...
Como de um súbito aparece-me a saída. E a gigantesca luz não passa de escuridão aos olhos de alguém que enxerga além. A porta vai ser ignorada. Viver fora do pensamento, é a sina para os fracos e incapazes de encontrar seu próprio bosque. Como o vento, que brinca tão delicadamente com as folhas, e o mar que a mercê da Lua, embala suas ondas, O âmbar constante da chuva que não cessa - ou cessará - Era tão infinito quanto a negritude dos galhos do ébano que não deixariam de existir nunca.
E agora era tão compreensível o porquê dos sumiços dos viajantes, e as trilhas que escapavam de seus pés. Agora era fácil de ver naquela beleza a razão de toda a existência humana. Eu sou um traço de Deus. E sua genialidade mora em mim. O meu bosque do pensamento é só meu. E a porta de saída se fechou.