domingo, 27 de abril de 2008

Tempestade irlandesa.

---O valor que recebemos é proporcional ao valor que damos às coisas.Todas elas. Pronto, essa é a minha reflexão de hoje. Hoje não terá história, não terá personagem, não terá acontecimento. Hoje sente-se e desfrute da exposição em carne viva duma mortal sem casa, que canta às escondidas e espera a chegada do amanhã. Ainda assim, essa mesma inútil mortal torce muito para que o amanhã nunca chegue.
--- Então sente-se. Não há nada o que perder, a TV anda capenga por esses dias - não custará me escutar. Eu fui e sou aquilo que projetei durante esse meu espaço curto de tempo. Fui e sou a imagem daquilo que desejo, e não o que sou realmente. Fui e sou. Pronto. Decifrei-me, e agora posso ser ceifada sem causar dano ao equilíbrio do Senhor Sinistro.
---Ainda se fosse somente isso, o “passado” foi lavado de tal forma, que me é difícil destingir os vagos traços de lembrança que ainda permanecem intactos nalgum lugar escuro e úmido. Ainda me é difícil explicar a ocorrência dos mesmos acordes nas músicas passadas e a mesma sensação de leve batida na parte traseira da cabeça. Batida essa que me acalma. Batida que me faz dormir. Batida querida.
---Mas nada disso foi suficiente. E se foi, já não me lembro. Já nem eu sou mais suficiente, embora habite um espaço sem fim. Então sente-se. Escute: Eu queria ser mais. Queria ser mais que mera indicação, ou mensagem. Queria ser mais que um corpo orgânico pequeno. Queria ter mais do que uma dúzia de pessoas - como sou pretensiosa! - Queria ter mais que um par de pessoas...
--- Mas meu querer não acompanha meu merecer. Meus sonhos não acompanham meu físico. As dores vêm tardias, a vida passa como que se arrastando nos restos do que um dia foi uma bem-organizada e operante civilização. Que é essa vida? Que foram a confusão, a guerra, as almas perdidas? É tudo, e sempre será tudo, referente ao Limbo. O Limbo inextinguível dos não-pecadores de alma suja. O meio termo é mais odiável que a própria má-sorte. O meio termo é nojento. Porém, não menos necessário.
---Então meu reflexo já não é de um todo refletido. A minha projeção teve partes perdidas no meio de caminhos incalculáveis pelos quais ando todos os dias... - onde estarão minhas outras partes? -. A luz perdeu seu papel, já que me acostumei à escuridão. Ora, veja se não é irônico? Veja se não é simplesmente um percurso em círculos que, não satisfeito - e de tanto andar - cava sua própria circunferência no chão? Sim, que mais seria isso, se não a penitência, a dor, a elevação à custa da forçada aprendizagem?E eu que nada sei... Não. Como a vida nunca tarda! Como a justiça sempre alcança... Como o mundo ensina!
--- Sim, as dores. Sim, as misérias. Sim. Tudo que nunca se mostrou presente. Tudo que antes era teórico e distante agora se manifesta com a força dum exército inteiro e habilidoso. Onde está o romance, a fantasia? Não. Tudo é orgânico, é calculado. Para tudo no mundo existe uma explicação. Para todos no mundo se tem uma história. Quem quer saber da minha? Quem se dispõe a ouvi-la hoje? Esqueça...
--- Por fim, tudo isso aqui resume-se num só desejo: Eu queria ser mais. Eu queria merecer mais do que palavras atravessadas, queria saber mais da sua vida confusa, queria merecer telefonemas e angústias alheias, queria sentir-me livre para compartilhas as MINHAS angústias. Eu queria ter três dúzias de dinamites e todo o láudano do mundo! Queria ser, queria fazer, queria sumir e aparecer. E, no entanto, eu não sou nada. Não quero nada. Não faço nada. Nada.
---Tudo que eu quero é o simbólico. Quero somente o valor. Dê-me? Faça-me feliz, por hoje? Aceito seu olhar penoso, aceito sua mão falsária, aceito tudo. Hoje estou disponível aos males do mundo, estou disponível às virtudes da humanidade. Estou disponível até mesmo para um café de fim-de-tarde. Então convida-me? Por favor, prometa. Não se esqueça, eu sei bem da sua cabeça. Eu sei que você não é bom de lembrar... Mas não me deixa. (!) Não, não busque em outros o papel que certa vez desempenhei tão bem. Não... Como ignorar? Como fazer a política? Ensina-me. E me segura forte, sim? Não é meu desejo agora cair... Ah! Mas que contradição! Vou dormir agora. Vou descer. Então, desculpa qualquer coisa, não falei nada por mal. Eu te entendo. Sim, eu entendo. Não se preocupe. Eu esperarei, assim que tiver algum tempo, me diga, sim? Adeus.

sábado, 5 de abril de 2008

Astrúbal.

---Houve uma época em que tive uma tartaruga. Na verdade, era um cágado e deveria ter cerca de cinco centímetros... Uma graça! Chamei-a de Duda, pois não sabia ser uma fêmea, ou um macho, ninguém nunca me ensinou com descobrir o sexo das tartarugas. Eu costumava vê-la andar pelos cantinhos da casa, para se exercitar... O problema era que ela não era lá muito saudável. Eu desconfio que minha mãe já a tivesse comprado com algumas complicações na saúde. Bom, Duda viveu por duas semanas ao meu lado, quando - por fim - faleceu. Você deve estar se perguntando o porquê de eu contar esse fato tão distinto. Quero dizer, não é realmente coisa que se lê por aí “Tive uma tartaruga certa vez, mas ela morreu. Fim”.
--- O objetivo disso tudo era dar um apanhado, ainda que geral, por toda a minha história com animais, que não é pouca: desde os cinco queria ter para mim um bicho (qualquer bicho!). Tive desde pequenos tatuzinhos-bola de jardins - que mantinha em vidros de maionese cheios de terra - até um gato que seqüestrei uma vez. Este, talvez, tenha sido o meu bicho mais efêmero. O tive por cerca de duas horas, até ser descoberta por meus pais, que me obrigaram a soltá-lo em um clube cheio de gatos. Não! Espere... Lembro-me que tive uma lagartixa por cerca de quinze minutos...
--- Certo. Foi um bom apanhado geral. Acho que já posso explicar a razão desse texto. Minha ânsia por bichinhos é gigantesca e eu gostaria de tê-los todos. Acho que tenho um grande coração...
--- Agora, vamos ao que interessa, que o tempo é curto e tem coisa à beça para contar: Certo dia, saindo à esmo pela cidade, avistei uma feira - dessas muitas que tem por aí - bem no meio da praça. Era domingo e eu não tinha absolutamente nada para fazer. Entrei na feira. Era bem chatinha, essas coisas de comércio, sabe? Andei, andei... E propagandas de hotel para cá, de padarias para lá... “Como dirigir seu próprio negócio logo aqui”, e coisas assim. Até que me deparei com um estande onde estavam muitos peixes e plantas, e este me aparentou ser o melhor estande de todos! Foi só me aproximar que um simpático e ocupadíssimo senhor me veio com um pote mínimo, contendo um minúsculo peixe laranja. Lindo! Saí de lá com um sorriso qualquer de absoluta estupidez. Andava com o pote como se este fosse um troféu. Segurava-o com todo o carinho do mundo para não cair, ou virar. Astrúbal. Era um nome bem pesado para um peixe tão pequeno, mas vá lá. Era “o” Astrúbal.
--- Desde esse momento até algum tempo depois, o Astrúbal foi o meu bichinho. Devo dizer que talvez ele não gostasse muito da situação. Tentara se suicidar por duas vezes e numa delas, quase que se foi definitivamente pro esgoto. Mas eu o adorava. Mesmo com seus olhos esbugalhados como os de um sapo, eu o achava lindo.
--- Dessa forma Astrúbal viveu: em um aquário improvisado, porém feliz. Num cantinho só para ele. E foi assim, por cerca de dois meses e alguns dias. Ah, o Astrúbal! Ninguém soube me explicar muito bem o que aconteceu. Eu não estava na cidade, tinha ido ver um show imperdível no grande “Rio de Janeiro”. O peixinho ficou aos cuidados da família. Disseram-me que bem no dia em que fui viajar, ele esteve muito agitado, nadando tão euforicamente que o aquário onde vivia parecia não ter suficiente espaço.
--- Pode ter sido saudade, como saber? Lá estava o pobrezinho : louco de saudades minhas. Querendo saber se voltaria um dia para dar-lhe comida, ou somente aparecer e sorrir. Mas ouvi falar certa vez, que peixes têm muitos problemas cardíacos. Pode ter sido isso, não sei... Talvez ele tenha enfartado de forma muito grande para aquele corpinho tão minúsculo. Não dá bem pra saber, peixes são criaturas muitíssimo misteriosas.
--- Eu fiquei fora somente dois dias. Quando voltei, não tinha mais Astrúbal. Foi tão triste ver o aquário vazio e sem nenhum movimento alaranjado...
--- Então, Astrúbal, onde quer que você esteja, espero que esteja bem. No céu dos peixes pequenos e desfrutando sua liberdade. Não te esquecerei. E mando saudações: Saudações, até.