terça-feira, 5 de julho de 2011

Espera-se não existir, às vezes.

--- Ondas sonoras propagavam uma música alegre no café em que sentava e aguardava a chegada de sua xícarazinha. Havia quatro cadeiras na mesa, duas as quais estavam vazias e uma ocupada por sua velha bolsa e seu cachecol preferido. Eram esses pertences a sua companhia na tarde fria que escolhera para ficar sozinha. Por alguma razão as companhias e suas vozes irritavam-na demasiado naquele dia.
--- Pensou em ir assistir a um duo de violoncelos que estava em cartaz - e até gostaria de ir - mas desistiu e resolveu sumir no fundo de uma papelaria, num cafézinho de poucos metros quadrados. Se o celular tocasse, atenderia. Se não, tanto melhor.
--- Aquele havia sido um dia complicado. Muitas críticas revelaram-se nas palavras aparentemente descompromissadas daqueles que a cercavam. E muitas expectativas também, o que nunca é bom. Procurou fugir de todas as palavras amarradas a conceitos e traçou um plano perfeito: caminharia pelas calçadas que tão bem conhecia até encontrar um rosto amável. Não buscava ninguém conhecido (ou assim pensava). Apenas queria conhecer alguém incrível que mudaria todos os paradigmas de sua vida em um segundo. Alguém a quem levar para compartilhar o aconchego de uma cafeteria e contar fatos e pensamentos guardados e dos quais ninguém desconfia.
--- Foi por isso que, ao caminahr pelas calçadas, procurava examinar os transeuntes e lhes lançar olhares profundos e prenes de desejo, na esperança de ser correspondida.
--- Mas não foi. Eram rostos estranhos, mesmo aqueles que conhecia.
--- E foi assim que terminara sentada sozinha, no fundo de uma papelaria, tendo por companhia sua velha bolsa e seu chachecol preferido. A xícara já estava vazia, assim como o café em que se encontrava com exceção dela mesma e dos que lá trabalhavam. E, nessa situação, resolveu escrever uma carta àquele que não logrou encontrar, mas que com certeza estava em algum lugar e havia de saber dela um dia. Talvez a estivesse procurando neste exato momento também. Eis o que escreveu:

Olá! Como você vai?

--- Espero que bem. Espero que onde quer que você esteja seja Primavera - ou Verão, ou Outono ou Inverno - e que essa estação lhe faça feliz. É Inverno aqui e tem estado muito frio. Os dias são, às vezes, cinzentos e nebulosos, o que me deixa em estágio de nostalgia. Mas disso você bem sabe.
--- Procurei por você hoje e esperei ardentemente encontrar-lhe, mas seus olhos não eram os de ninguém, de modo que logo dei a busca por acabada e vim tomar um capuccino.
--- Não desejo que se apresse para me encontrar. Venha em seu tempo. Não costumo mudar o rumo de meus passos tão drasticamente, portanto a trilha é fácil de ser seguida - se se souber por onde começar.
--- Enquanto não nos encontramos, sonharei com passeios de bicicleta em dias alaranjados, piqueniques inadiáveis e conversas sobre a natureza das borboletas e das danças de acasalamento das mariposas.
--- Venha quando lhe aprouver, mas não se atrase. Sua ausência me punge fortemente o peito e, às vezes, fico mesmo confusa e perdida de dor.
--- Mas espero aqui, onde você bem sabe ser o lugar de encontro. Espero esperançosa e indefinidamente até reconhecer seus olhos. Por hora, pago pelo capuccino, devolvo a xícara branca e sigo em meu cinzento caminho para casa. Futuramente, espero sumir na noite escura, em sua companhia, até não mais existirmos.

Até a desexistência!

Adoro-lhe!

F.

E fez mesmo como havia dito. Pagou pelo café e seguiu para casa. Em seu caminho, no entanto, havia uma barraca que vendia livos antigos. Parou em frente a ela, examinou com cuidado alguns volumes. Escolheu um azul, sem dar muita importância ao conteúdo do livro. Apenas escolheu-o por ser bonito e resistente - feito de capa dura e durável - e por entre suas páginas escondeu a carta que escrevera ainda há pouco. E então seguiu para casa, pois logo seria noite.