quarta-feira, 21 de julho de 2010

Desconstrução foto-colagem.

---Houve um tempo em que eu o amava de forma platônica, oscilando entre o ódio e o desejo - que tão pouco conhecia. Nesse tempo, tudo parecia fazer muito sentido. Ele era a manifestação do amor. Dois ou três outros eram a da amizade. Isso era bonito, aquilo feio. Havia algumas pessoas detestáveis, assim como matérias escolares e professores incompreensíveis. Tudo muito simples.
---Sinto saudades desse tempo, do quão lógico ele era. Acordava-se de manhã, ia-se para a escola. Havia provas, problemas, brigas. Mas tudo com o final feliz.

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---Resolvi me revolucionar faz alguns dias e me excluí temporariamente do mundo físico. Por duas semanas, passei os dias me escondendo em peças de teatro e concertos de cravo, que - em tempo - é um instrumento musical (!!!) Conheço pessoas e me esqueço do nome delas e nunca mais as verei. Céus, como sou grata por isso! Enfim, por que essa história? Porque resolvi me reinventar. Modifiquei imagens, perfis, preferências... Tudo aquilo que diz pro mundo "olha, essa sou eu". Eu já não era nada do que diziam, mudanças eram necessárias. Quis mudar minha foto também. E resolvi mexer nuns arquivos, para ver se encontrava uma foto antiga, mas ao mesmo tempo atual. Algo meio atemporal, pois apesar de mudanças internas, creio ter a mesma cara já faz uns cinco anos. Então, fui rever minhas fotos. Tanta coisa arquivada, Deus do céu! Tanta gente... Que passou.
---Acho que esta foi a lição mais dura que tive de aprender na vida: a da passagem. Tinha tanta coisa tão importante lá para trás. Que foi tudo aquilo? Eu já não dou valor aos passados. Não consigo pensar que se encontrasse essa ou aquela pessoa (que figuram em tantas das minhas fotos antigas) sentiria uma incontrolável alegria. E que faria? Com certeza um abraço. Combinaríamos qualquer coisa futura? Um chop? Um café? Não creio. Essa gente passou.
---As piadas, os aniversários, os entendimentos tão íntimos e sinceros. Sorrisos. Palmadinhas amigáveis nas costas. Essa foi uma parte dos meus anos dourados. Não que sempre tivesse achado que duraria infinitamente, não. Mas também nunca pensei que acabasse, entende?
---E dói.
---Achei fotos de uma cidade que representa toda uma era de minha vida. Cemitérios, paralelepípedos, estradas de terra e a primeira vez que andei de moto. Certa vez, eu entrei para casa gritando "gente, gente, Escorpião! Não acredito! Finalmente, escorpião!" O pessoal saiu correndo, crentes que eu falava do animal. Mas não, era da constelação que eu falava, pois era a primeira vez também que consegui identificá-la no céu. Falava das estrelas, como se fosse uma profunda conhecedora delas. E talvez fosse, antes de saber que essa profissão já existe.
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---Certa vez, muito antes de contar o mundo em milhas, aprendi sobre as distâncias. Aprendi que não precisam ser físicas para serem reais e o impacto dessa lição foi tão profundo que creio nunca poder me curar dele.
---Há muito tempo, antes de me dar conta das distâncias, no círculo no qual acontecia a minha vida era tudo muito próximo. Minha melhor amiga morava a um quilômetro da minha casa. Vovó, logo ali no centro. Minha mãe morava ainda aqui conosco e meus tios visitavam-nos com mais freqüência. Com o tempo tudo foi se esvaindo, aos poucos, de modo que quase não percebi. Até que ocorreu, o grande golpe! (pausa emotiva).
---Logo ali do meu lado, estava todo o mundo que eu achei ter conquistado para sempre. Toda uma vida de descobertas e convivências... Que não aconteceu. E não foi temporário, como achei que seria. O trauma que ocorreu se perpetua.
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( o leitor me perdoe, se não sou tão direta quanto ao trauma em si. Há milhares de textos nesse blog referentes a ele. Mas evito escrevê-lo agora. Basta de palavras doídas).
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---Não que seja culpa dela. Não que seja minha também. Acontece, que quando isso ocorreu, entendi que nada era como pensava. As pessoas não são moldes fixos, tampouco é a minha vida! E com o tempo, de fato, tudo desmoronou - feito um castelo de cartas num dia de ventania. Eram as estruturas da base... Que fazer sem elas? Levantar o prédio do chão. Foi isso o que fiz. O que tentei fazer e continuo tentando desde então... Tenho lá momentos de crise e tem momentos em que deliberadamente destruo tudo o que construí para começar do zero.
---Não, mentira. Algo sempre fica. E do zero não se começa. Saem os vícios (ou assim se espera), mas ficam as lições.

Aprendi o valor do sorriso que dei naquela foto passada. Era dia de sol, quente. Um caminhão pipa refrescava-nos e a todos na rua. Dançávamos juntas e ríamos, porque aquilo era muito engraçado. De repente, um fotógrafo. A gente se abraça por um momento e sorri. Ali, gravado para sempre. Ocorreu e eu não me esquecerei disso, nem se pudesse.

Algo sempre fica. Muita coisa já passou e vai passar... Mas algo fica, e sou cuidadosa quanto à isso agora. Não se quer perder algo que era para ser eterno, certo?
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---Houve um tempo em que eu o amava de forma platônica, oscilando entre o ódio e o desejo - que tão pouco conhecia. Nesse tempo, tudo parecia fazer muito sentido. Hoje eu ainda o amo, e o posso tocar e falar-lhe isso. Conheço bem o ódio e o desejo e a luta agora e para domá-los. E hoje nada faz sentido, a não ser a vontade de entender, de ser, de sumir... Não há pessoas, ou lugares. Há passagens. Há indicações, que guardo - como os personagens de um livro.