terça-feira, 12 de outubro de 2010

Chá de sumiço.

--- Há acordes tocando em minha cabeça, feito trilha sonora. As ações vespertinas se repetem num domingo e a busca pelo silêncio se traduz no anseio por uma caminhada. Um andar leve, sem obrigações de horário, sem gritaria. E se o tempo estiver frio, melhor. O frio é a certeza da solidão.
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--- Dia desses estive pensando sobre a natureza da solidão, tão mal interpretada e repudiada ultimamente. Difundiu-se pelo mundo uma cultura de medo do silêncio, do escuro, da paz de espírito. Como resultado, há agitação por toda a parte! Mas como viver num mundo que nunca se afasta, nunca dorme e está sempre presente? Um mundo que nunca vai embora, feito um visitante incômodo a um passo de se tornar parasita?
(Não me refiro aqui ao mundo físico materializado na figura da Terra, mas sim ao mundo construído por hábitos socias e econômicos, onde há direitos e deveres e ordens).
--- Deve ser um tanto bizarro para o leitor entender como o mundo pode ir embora, deixar de existir. Mas, leitor - digo - tudo pode ser inexistente, só depende do ponto de vista. As obrigações que nos acorrentam ao mundo podem evaporar feito fios feitos d'água, bastando para isso que as vejamos como convenções sociais muitas vezes aceitas, mas sem um profundo fundamento. Por exemplo, na sociedade atual, a solidão é vista com maus olhos, mas não há exatamente uma base crível que justifique essa postura.
--- Todos os seres vivos, suponho, têm esse desejo de desaparecer e estarem sós. Acontece com leões e elefantes em certos momentos de suas vidas. Por que não aconteceria conosco? Mas para estar só, é preciso afastar tudo de si - de modo a realmente esquecer os traços da personalidade. E isso, considerando nosso momento de agora, é um tanto complicado. No entanto, por isso mesmo, se faz muito mais necessário.
--- Há várias formas de sumir do mundo e eu gostaria de saber de mais delas, no entanto, só conheço algumas. Portanto, amigo leitor, pegue papel e caneta, anote essas receitas para deixar o mundo para trás e faça isso (!!), ainda que seja dentro de você mesmo. Não é preciso ir muito longe, na verdade. Necessário mesmo é desconectar-se e deixar-se guiar pelos desejos mais básicos e humildes, a fim de ver aquele mundo que nos amarra com outros olhos. Ao invés de prisioneiros, tornamo-nos caminhantes que transitam por entre suas estruturas. E transitar dói muito menos, pois as mazelas desse sistema decandente não nos afetam, quando no estado transitório.
--- Bem, aí vai. Dormir é uma das formas de deixar momentâneamente de existir. Mas não é exatamente a mais eficiente. Isso pois dela não temos controle. E, apesar de nos sentirmos revigorados após uma noite de sono, dormir demais não nos possibilitará o status de transitar, apenas. Partimos então para a meditação, que realmente nos proporciona, pouco a pouco, uma consiência diferente sobre tudo aquilo que nos cerca. E sobre ela, temos o controle, de modo que poderemos, ao realizá-la, entender as mudanças pelas quais passamos quando em seu exercício. A meditação exige muita disciplina. E, apesar de ser o modo que, acredito, mais se consegue resultados, há outros mais simples. Como, por exemplo, se a rotina de alguém é marcada pela correria e necessidade de eficiência imediata, deixar de existir pode ser simplesmente ir ao campo ( e por lá passar uma semana sem relógios).
--- Hoje em dia, é quase um ato heróico realizar essas ações tão modestas. Há gente em todo o lugar! E não que isso fosse propriamente o problema, mas as gentes (moradoras do mundo que, prego nesse texto, deve tentar-se evitar) trazem com elas barulhos e poluições em todos os graus existentes.
--- Ouvi falar certa vez que nossa espécie anda viciada em barulho. E isso se vê pelo hábito de ligar a tv por nenhuma razão específica, a não ser a de ouvir o que está passando. Veja bem que não existe nem mesmo o objetivo de ASSISTIR À PROGRAMAÇÃO. Liga-se a televisão somente com o intuíto de fugir do silêncio que, nas palavras de uns, é "insuportável!"
--- Por isso, apelo: deve-se diminuir os rítmos (aos pouquinhos, pode ser assim) e passar a prestar atenção aos pequenos acontecimentos. Gente nasce e morre todos os dias, assim como plantas e animaizinhos; abelhas produzem mel, borboletas voam em movimentos poetizados e as penas de certos passarinhos brilham lindamente quando nelas bate a luz do Sol.
--- Para que todas essas coisas aconteçam, não é necessário o barulho. Muito pelo contrário, o silêncio é importante e bem-vindo. E são desses acontecimentos, minúsculos, insigniicantes para algumas pessoas (quem sabe?) que o nosso planeta vive. E não do initerrupto trabalhar de máquinas e eficiências em terno e gravata e luzes neon super-modernas nas placas das lojas "prontas-para-o-consumo". Disso tudo vive o mundo defeituoso que criamos, que não é o real. E é doente.
--- Há vida além das quatro paredes azulejadas. Há muito mais lá fora.

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--- E então caminho e é um alívio ver que no domingo quase não há carros pelas ruas. "As pessoas devem estar em suas casas", penso,"descansando".
--- Mas logo ali adiante há uma esquina, com muitas pessoas aglomeradas ao redor de uma churrasqueira fumacenta (e que cheira a queimado) e de barris de cerveja. É dia de futebol.
--- Mais para frente há o shopping, que está cheio de pessoas ávidas por coisas novas e pelas novas cores da coleção de verão, que mal estreou. Há propagandas pendendo das paredes, anunciando as promoçês de natal, por mais que seja outubro ainda.
--- E mesmo as ruas foram invadidas por estudantes, vindos sei-lá-de-onde, com canecas de cerveja personalizadas e o status de que serão médicos um dia. É o "Spring Break" U-ha!
--- E depois de tudo isso, eu volto para casa - desejando o máximo de solidão possível! E uma xícara de chá, dois biscoitinhos, além de uma estadia gratuita em minha janela. De lá posso escutar os passarinhos que (graças a Deus!) ainda visitam minha retrógada rua sem-saída.