domingo, 31 de agosto de 2008

Diálogo Introdutório de Personagens.

- E agora então eu volto. Onde estão os outros?
- Mortos. As noticias correm...
- Pois eu não ouvi.
- As pessoas morrem...
- Mas não esperava aqui.
- Isso aí é choro?
- Sei que não é um sorriso.
- Você está de joelhos de novo?
- Não consigo manter-me vivo.
- Isso a gente sempre consegue...
- Eu não.
- E que fará?
- Eu vou acabar.
- Deixa de ser tolo que essa gente nunca te quis. Se eles estão mortos foi por que isso fez Deus feliz. Se eles já se foram, nada tinham mais a fazer. Agora enxuga esse choro e vê se deixa de sofrer. Eles foram embora e ninguém nem notou. Você sente agora, pois só agora voltou. Quando acabarem os sentimentos, pensará nisso direito. Eles não estavam lá, quando você sentiu dores no peito. Eles não tinham mãos, quando lhe faltava apoio. Agora vê se levanta e separa do trigo, o joio.
- Você é frio hoje.
- Mas frio eu sempre fui.
- Eles se lembraram de mim?
- Sua presença dilui.
- Até você?
- Não. Eu aqui sempre estive.
- E como nunca te vi?
- Se você quer, cative.
- Eu não entendi.
- Eu te amei logo que te vi.
- E por que nunca me disse?
- Temi perder-te, então me contive.
- E doeu?
- Muito.
- Você morreu?
- Muitas vezes.
- Eu nunca te amei assim.
- E eu sei.
- Agora eu estou confuso.
- Eu sei também.
- Onde você esteve?
- Bem aqui, ao seu lado.
- Como você se manteve?
- Comendo dos seus migalhos.
- Você me ama então?
- Muito.
- Doeu ver-me partir?
- Você nunca partiu de mim. E eu sabia que voltaria um dia.
- Eu não sei se te amo.
- Você nunca amará. Você ama os outros. Aqueles que não estavam lá.
- Mas os outros morreram.
- E você sente.
- Eu sinto.
- Não se arrepende?
- Sim. Muito tempo foi extinto.
- Você pode ir agora.
- Mas acabei de chegar...
- Vá, por favor. Se você ficar, eu não vou me agüentar.
- Mas você não me ama?
- Hoje eu espero que não. Espero ficar bêbado, ou matar meu coração. Hoje eu queria que fosse somente uma passagem. Se você não me ama, não precisa fazer alarde, que eu entendo. Eu me arrebento, mas se não é suficiente, então pegue as suas malas e volte. Mas volte contente. Saiba que aqui alguém te ama, que isso nunca vai mudar... Mas se isso não te basta, não vale à pena ficar. Eu aqui posso morrer tantas vezes como fiz antes. Vá afogar-se nos braços daquelas suas acompanhantes. Elas que sempre lhe dedicaram tanto apreço, elas que te merecem muito mais do que eu mereço. Então vá embora que pra mim agora basta! Perder-te uma vez é praxe, duas vezes é desgraça. Se um dia me entender, eu quero que saiba que aqui fico. Se me puderes corresponder, o meu amor eu não modifico.
- Eu nada posso dizer, se não adeus. Eu sinto muito.
- Não, você não sente. Adeus também... Vá encontrar o seu mundo.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

A Rosa.

“Como a tremer de frio e frouxo,
Cada reposteiro rouxo.” (Poe)

“ -Uma flor, acho que ela me cativou...
- É bem possível, disse a raposa, vê-se de tudo nesse mundo...”
(Antoine de Saint-Exupéry)

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Perdoem-me os meus versos,
Pois que sou melhor em prosa.
Se risco minha caneta,
Faço-o em nome da rosa.

Sendo estranha nem um pouco,
Já que me julgaram louco...
Eis que um dia entrou voando,
Adentrando a janela.
----(poesia é o que se espera,
Se sentado na janela?)
Sendo pássaro cantando,
Pois que entrou e ali ficou.
E já não me esqueço dela.

Era noite, madrugada.
O vento soprava forte.
Eu jazia sem amada,
coração fadado a sorte.

Se a sorte eu esperava,
Será por ali que andava?
Podia bem estar cantando,
Já sentada na janela...
-----(arrepio é o que se espera,
Se sentado na janela?)
Sendo pássaro voando,
Pois que chegou e ali sentou.
E já não me esqueço dela.

Das cortinas viu-se um sopro.
Era o vento em canto frio.
Já dizia baixo e rouco:
“Vais como volta, vazio”.

E a rosa foi-se embora,
Tão linda quanto viera.
De tal forma estranha e bela,
Que já não me esqueço dela.

Eu já não me esqueço dela.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O consumado que se consuma.

---Depois de todo esse tempo, de todo o meu tormento, de tudo aquilo que passei e que sofri e que expurguei... Então depois de todo esse meu ritual ridículo, o que você tem a dizer é isso? Então faça assim, guarde essas suas palavras pra você. Faça isso agora, pois não as quero ver. Porque eu me desdobro para os seus olhos, eu me enfeito por tudo aquilo que quis parecer, e continuo o meu fingimento. Eu espero somente um olhar de contentamento, um sorriso de canto que seja... Algo que me faça crer que você ainda me deseja. E, no entanto, você me vem com uma educação polida, sabendo que ao lhe ver ainda fico aflita, que minhas pernas tremem, e mal penso no quê dizer. Mas meu deus, eu vim correndo assim que soube de você! E eu me arrependo cada segundo que desperdicei, de cada lagrima que derramei, de cada instante que eu pensei que lhe machucava as entranhas. Por que você me machucou. E muito. Passei muitas noites enfadonhas tentando entender tudo. Nunca mais nessa vida eu vou ver da mesma forma o mundo... Você me tirou de mim e por muito eu andei perdida. O sal fez eternamente a minha face ardida. Perdi muitas vezes a vida que tanto lutei para construir. Bastou um instante para tudo se diluir... Agora você pegue esse seu gesto obrigado e suma. Se eu nada signifiquei, seja descente e assuma! Quero que se vá e que o mundo então a consuma. Chegamos ao fim, e só de não te ver, eu já agradeço. Há de ser ver de longe que jamais lhe despertei apreço. Saiba que se procuro o seu cuidado, é por que eu o mereço. Os meus erros foram inúteis, mas eu os reconheço.
---E nem a sua consideração eu desperto mais. O que a gente tinha jaz agora em paz.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Orgulho de Desidério I: a normalidade.

---Normal. Defina-me normal. Que conceito mais vago, que palavra sem significado! A normalidade... Mera parenta da banalidade se quer saber. Igualar-se a todos, pensar ou agir da mesma forma. Então isso sim é normal.
---Pois bem, também é normal – presumo - usufruir dos mesmos prazeres, sentir-se confortável nos mesmos ambientes, e até mesmo – por que não – amar de forma igual.
E é ridículo. Dolorido de tão vergonhoso. Juntar-se a massa e seus prazeres mundanos. Voltar à velha vida, com suas constantes e frívolas aflições... Então, minha cara, defina-me a SUA normalidade. Diz, por bem, o que para você chega a ser considerado aceitável. Tenha a bondade de me esclarecer os fatos que faz questão de entrelinhar, esperando que eu encontre as respostas, onde não mais as vejo. Onde, na realidade, ignoro propositalmente, na maioria das vezes.
---Tendo sido isso devidamente esclarecido, partamos para outros pormenores. Esses - devo dizer - são por muito mais desagradáveis. Inevitáveis, porém. Estamos falando aqui de mudanças tão profundas, que já passaram da carne. Atrevo-me a dizer que já passaram também da mente, alojando-se na alma e de maneira eterna. Talvez não tenha ficado muito claro, portanto vou me explicar melhor: estamos nos focando num tempo que não foi medido por ponteiros, impossibilitando a marcação usual, embora ela exista. Não nego a existência do tempo e de seus relógios, acho somente outra unidade de medida muito mais conveniente com o momento. A medida usada é então a distância de corações - não por metros, não por milhas, mas - simplesmente pela cicatrização da ferida. E o que se faz quando esta já está de quase um todo fechada? Arranca-lhe a casca e expõe de bom grado a vermelhidão que é a carne ao céu aberto, ou espera que esta se feche por completo? (Foi uma pergunta por demais capciosa esta). A ferida jamais cicatrizará inteiramente, mas abrir seus pontos e esperar a dor pacientemente é loucura!
---Que seja loucura então! Ela permitiria muito mais prazer do que a razão, talvez... Talvez não. Não é saudável, porém, cair em seguida a uma já sofrida queda. Não é são se expor novamente àquilo que já não fez bem, certa vez. Então o que se faz é aceitar o consolo lento do tempo. È lento por demais, mas é o certo. O único que aos poucos vai embora levando a dor. E já se dizia ser o tempo o mais sábio, muito antes do tempo fazer-se necessário. Esse é quase sempre bem-vindo na juventude; na velhice é tão assustador como o ceifador em pessoa. Mas eu estou me perdendo em pensamentos. É da normalidade que estou falando, voltemos a ela.
---Muito bem, muito bem. Ainda não me foi definida essa sua amiga. Ainda não sei o que pensar a seu respeito. Tanto dela, como de você mesmo, embora reconheça certos traços, que me foram muito familiares em tempos passados. E dessa forma, somente dessa minha medida de distância – conheço-a muitíssimo bem – é que podemos tirar algum proveito para a presente situação.
---Certo. Seria possível que depois de tal distanciamento, de tal perda, as batidas cardíacas fossem restabelecidas na mesma freqüência com a qual viviam na passada normalidade? Com efeito, responda-me se puder, seria esse o desejo de ambas as partes? Pois é certo que o tempo, se medido de maneira comum, nada significaria comparado à enormidade vivida antes e usufruída quase que por completo. Mas acho que deixei bem claro que não estamos usando relógios, ou calendários para a medição.
---Pois bem. De fato, determinados laços não se desmancham com um simples puxão. Alguns outros, não se desmancham por nada nesse mundo. Então a classificação é difícil de ser feita agora. É sim, pois por muito considerei morta a relação que mantínhamos, e por muito usei violetas, em sinal de luto pela eventualidade. Jurei não mais voltar às boas, assim como acredito que você jurou também. E devo dizer que me vi surpreso, quando a vi em tentativas. Não surpreso de desgosto, pois que fique claro que - como sabe muito bem - a porta estava aberta para qualquer contato. Mas surpreso de alegre, por ver que orgulhosamente, uma barreira havia sido rompida em sua personalidade. Um sinal mais que claro de mudança, de crescimento.
---Então chegamos a um ponto que venho tentando abordar desde o começo. Essas tais mudanças são por demais saudáveis e bem-vindas. Infelizmente (ou felizmente, não saberia dizê-lo) aprendemos somente assim. Mas, por conta do distanciamento, não foram por nós mesmos acompanhadas. E, sinceramente, não tenho mais certeza de quem é você. Você, posso dizer com segurança, já não faz também idéia do que me tornei. Isso é triste, é lamentável, mas é assim. Que fazer? Ignorar as mudanças? Não é possível. Deixar de lado o tempo passado? Sejamos sinceros, isso não vai acontecer... Agora, o tempo – tantas vezes vilão antigamente – por misericórdia curou nossos machucados, de maneira tal, que estamos dispostos a esquecer as coisas ditas, as pensadas, e recomeçar. De tal forma fomos curados, que já não há ódio, e nem rancor guardados. Mas há tristeza e há receio, e isso não se modificará.
Certas coisas terão de ser deixadas para trás, e certos detalhes esquecidos para que seja restabelecida essa normalidade, que, de algum modo, já não é tão normal quanto foi num passado distante. E que fique claro que sinto muita falta desse passado distante. Tamanha é ela, na verdade, que já me peguei em desespero de saudade dos momentos que vivi, na grande maioria ao seu lado. Mas que posso dizer em minha defesa? Lá estava o tempo, infalível para consolar-me, e assim ele o fez. Por mais de vez sonhei com isso, literalmente. E eu sei que você sonhou também... Então ótimo, restabelecemo-nos. E agora o quê? Eu negociarei meus termos, você os seus. E voltaremos a que parte, a que estávamos pouco antes do declínio? Não seria de muita vantagem, não é mesmo?
---Você tem sido adorável, de uma maneira que eu não esperaria que fosse. Mas eu me pergunto se tudo isso foi só um grande espaço, ou se foi mais. Quero dizer, devemos crescer, e crescemos com nossos erros. Mas se todos os erros têm justificativa – e eu sei que esse teve -, então todos os acertos e reconstruções também precisam de uma justificativa tão, ou mais forte. Eu sinto a sua falta, embora já esteja acostumado com ela. E você sente a minha também. Mas não é bom que nos precipitemos. Nada acontece ao acaso, e nada que viveu um dia, morre por completo.
Assim como antes, o tempo fará o trabalho árduo. Deixar as coisas nas mãos dele é a melhor solução. E então, assim que for definido o que é normal, as coisas se encaixarão da melhor forma. E você sabe disso tão bem quanto eu o sei...
---Foi bom poder falar disso tudo. Um dia você saberá que penso assim. Depende somente do tempo agora marcar a data e o local. Por conta de minha honra, estarei lá. Não posso prometer mais que isso.