segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Le Moulin

Como eu amo escutar o som único no silêncio interrompido. Dizer sem palavras aquilo que sempre penso. Ah, minha fiel platéia está lá novamente esta noite, e estará amanhã para ouvir-me soluçar. Em suas mesas - distantes do palco - é fácil ver-me endoidecer e girar na ponta dos pés, na dor que é suportar meu próprio peso. Seus vestidos galantes e brilhosos não irão se arrastar naquele chão imundo de madeira... Por outro lado, suas cadeiras - confortáveis e limpas - farão com que fiquem sentados enquanto apresento meu show.
Na tragédia que é viver, os holofotes encaram somente o personagem principal. E esperam seu desfecho trágico, friamente. É típico esquecerem-se dos coadjuvantes, e é por isso que prefiro monólogos. As câmeras de alguns fotógrafos - pagos antecipadamente - cegam com seus flashes os olhos de quem não enxerga na luz. Tanto melhor não encará-los.
As falas saem cuspidas e a expressão pouco se modifica. Monólogo de um ato só. Os trocados valem à pena por tão pouco, pois falar da loucura é contar verdades para um público cego, tal qual faziam os bobos da corte com seus nobres - e é delicioso -. E às vezes, somente às vezes, em boas noites, tenho de forçar-me para não sorrir em cena, ou acabaria com todo o contexto. Mas é difícil vê-los rir de sua própria desgraça, sem reconhecê-la nunca.
Os aplausos escondem as outras cenas, entrelinhadas no palco e atrás de suas cortinas: nos bastidores, outra atriz é traída por um diretor que não lhe dará o papel principal. Em seu camarim ela chora, borrando toda a maquiagem da peça seguinte. Este mesmo diretor foi ver uma bailarina mais interessante, cansou-se. Em cima do palco, um velho senhor não vê a hora de dormir em sua cama. Espera atento ao sinal para mudar o foco de sua gigantesca luz, enquanto bebe seu café quente e amargo - responsável por mantê-lo acordado -. No palco, a tragédia e a loucura fazem-se presentes para o deleite da ignorante platéia de alto requinte, que ri de cada episódio retratado logo à frente. Pobremente presos aos seus luxuosos vestidos e ternos, como que em gaiolas apertadas - ladras do canto dos colibris -, eles não fazem idéia do que riem. Mas o riso faz-se parecer apropriado e sincero, na hipocrisia de seus dentes brancos. Já por de trás das cochias, envolto na escuridão e responsável tanto por subir as cortinas quanto por soprar as falas esquecidas, sussurra um menino sem talento algum.
O tango do pianista, logo abaixo, avisa que a peça teve o seu fim. De pé, uma senhora de vestido preto aplaude, sem entender, o fim “mágico” daquela obra prima. A cortina desce devagar, enquanto me dirijo cansada para o fim do corredor. Ainda vestida a rigor, e maquiada exageradamente, desço as escadas dos fundos para o que promete ser uma noite fria. Longa noite fria, longe do acolhimento do teatro ou da tortura de interpretar novamente.
São onze e trinta e cinco e vou pra casa, andando pelas ruas sujas. Ando sozinha, e ainda escuto o tango do pianista em minha cabeça, recortado somente pelo som dos saltos dos sapatos batendo no concreto. Não chove, não venta. Nada é diferente da noite anterior. Amanhã o espetáculo será o mesmo, e platéia o aplaudirá novamente. Que mundo esse do Showbiz... Somente desejo um cigarro antes de dormir.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Certo Elevador Levou-me Longe e Embora.

Do outro lado da praça, eu te vi passar. Devagar, a passos curtos.
Apenas uma rua. Uma rua apenas nos separava, talvez nem isso. Mas eu te vi passar do outro lado, embora você não tenha me visto. E ficou somente nisso.
Eu não corri pra te abraçar, ou contar uma novidade sem importância. Você não me chamou a correr até a sua casa, pra me mostrar uma coisa banal. Eu somente te vi passando, um tanto diferente do que veria em outras épocas - é verdade - e esperei o tempo suficiente para que não nos encontrássemos.
E ainda distante, eu te vi caminhar por entre tanta gente... Tão diferente de todas elas, de alguma forma. O aperto no coração não foi maior do que o do dia anterior. Durou um tempo menor também.
Se a cena durasse mais do que cinco minutos, isso seria surpreendente. Eu mudei a minha rota, só para não te ver. Antes disso, mudaria quantas vezes fossem necessárias, só para te encontrar. E ainda assim, você caminhava a passos curtos. Os pensamentos distantes, muito longe dos meus.
Por fim, você virou a esquina. E desapareceu no meio da multidão. Tanta gente que te teve tão perto na calçada, e não sabia quem era você.
Voltei minha cabeça para onde a tinha deixado. Peguei um ônibus, fui pra casa. Ainda por muito tempo, olhei a calçada por onde você caminhava, mas você não estava mais lá.