segunda-feira, 31 de maio de 2010

Outubro é interminável.

"Quando fui, quando éramos
intactos projetos imaturos,
fomos modernos.
Nos couberam ternos,
gravatas e moldura,
cultura e inferno".
***
--- Eu queria lhe mostrar toda a ternura de meu coração e lhe acalentar com canções infantis. Queria poder escolher as provações, matar os seus dragões e ainda lhe pôr pra dormir. Se eu pudesse, eu lhe juro, me faria de escudo e deixaria esse mundo cruel longe de você. Se as loucuras fossem mortas, eu trancaria todas as suas portas e não deixaria vestígios delas que você pudesse ver.
--- Eu faria rimas tortas, sequestraria todas as horas para as noites de Lua Nova, onde o céu só faz ferver. E faria coisas grandes! Mataria três gigantes, se eles perturbassem o seu frágil ato de ser. E ao redor de seus corpos mortos, empilharíamos os velhos destroços e, como o próprio fogo, seríamos testemunhas do eventual desaparecer...
--- E seria tão bonito! Como pagãos no Solstício de Inverno. Mandaríamos o passado com seu fogo para o inferno! E, ainda bêbados, acordaríamos molhados pela relva (em meio a risadas sem sentido e peças descobertas).
--- A manhã seguinte à queda seria o nosso renascer. Eu mandaria o meu passado para o inferno por você. E seguraria firme em fios quebradiços de tempo, ainda que suas fibras me entrassem pela carne, ainda que da fuga eu ouvisse o alarme... Morreria enforcada antes de lhe perder.
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Não há ar na Terra dos Fragmentos, eu sou a única razão dos seus tormentos. Aquela mesma que lhe jurou proteger.

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--- Fosse fácil deixar a mim mesma de lado ou juntar partes quebradas de brinquedos encantados, empilhar frases amargas em espetos afiados, ou tocar faces cansadas pelo tempo e seu legado... Fosse fácil não sentir frio no calor de algum abraço e anseio (e receio) no mesmo espaço do acaso, ou arranhar quatro paredes à procura de resultados...
Não foi fácil, foi sombrio. O coma de nosso símbolo alado. Suas asas eram fracas para seu peso demasiado.
--- Mas, por Deus! Foi tudo um choque! Um distúrbio excessivo por falta de toque e aqui fora é tudo igual... Se já não houvesse lembranças da noite em claro, agora eu estaria do outro lado do asfalto, com uma bomba em cada mão, esperando com um sorriso a explosão.
--- Mas há lembranças e aqui estou eu, na Terra dos Fragmentos. Não há gigantes, nem fogueria, nem naturais deuses sedentos... Há a mobília e a matéria e os resquícios dos sentimentos. Do lado de fora da janela, chovem águas e gritam ventos.
--- Dezesseis séculos e um quarto e o que eu tinha foi perdido. Essa era a única calamidade que não esperei acontecer comigo.
***
"Fôssemos eternos, quando era primeiro,
primeiro e certeiro amor
era indolor querer tudo.
E íamos na vida a cada fome a cada fama..."

"E a grama era verde, o nosso vale e os nossos mil metros de medo..."