terça-feira, 13 de outubro de 2009

"A juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes". *

"Ei, mãe, eu tenho uma guitarra elétrica.
durante muito tempo isso foi só que eu queria ter.
Mas ei, mãe, alguma coisa ficou para trás;
antigamente eu sabia exatamente o que fazer." *

--- Efemeridade é a palavra mais cruel do dicionário. Principalmente quando a efemeridade em questão rasteja pelos cantos - existindo, mas - fingindo não existir. Um dia, sem carta-convite, ela simplesmente pula no meio do caminho, abrindo uma encruzilhada com quê de esfinge "Decifra-me, ou devoro-te".
- Há algo de extremo charme nessa frase esfingística que me encanta em muitos níveis. Por mais de vez quis mesmo deixar-me ser devorada e ver no quê resulta. Talvez seja como naqueles sonhos em que caio infinitamente de um arranha-céu altíssimo. E o sonho se repete até que eu crie coragem para me espatifar fortemente contra o chão. Se assim for - a semelhanca - talvez seja o mesmo com as encruzilhadas. Somente as terei longe e idas quando finalmente aceitá-las e me deixar ser devorada pela irresistível esfinge. Bem... -
--- E a questão é das mais difíceis; não posso chutar entre a múltipla escolha do sim, ou do não. Antes tenho de me justificar em uma dissertacão concreta. E, para se dissertar, é preciso saber do assunto. Mas eu não entendo a esfinge. Ela é abstrata. Ela me vem com definicões de efemeridade - cujas consequências somente agora comeco a entender.
--- Mas, embora repentina, a pergunta é oportuna. Há seis meses atrás, ela não faria sentido algum; hoje é ela que me corta o caminho e me impede a continuacão.
- É mesmo engracado o diferente apelo que certas definicões alcancam em diferentes momentos de uma só vida. Quando a palavra "efêmero" me apareceu pela primeira vez, em uma aula de português, eu não sabia de seu significado. O dicionário dizia algo sobre a sensacão de encurtamento do tempo, e foi isso o que acatei. Daí por diante, o tempo do ensaio era efêmero - eu mal o via passar. Sábado também era efêmero, mas não o domingo. Enfim, a definicão era medida somente por horas, que insistiam em escorregar do relógio. Tão depressa, na verdade, que pareciam ser engolidas, ou desviadas para outro lugar.
- (Talvez, quem sabe, não foram mesmo desviadas para intermináveis aulas de química? - No que me lembro delas, ao menos).
--- Meses foram encobertos pela efemeridade antes que eu a pudesse dar por um conceito tão flexível. Logo após me foram os anos. Assim, num mero estalar de dedos. E, de repente, eu já não sou mais imortal. Meus erros não são mais divertidos após uma semana; eles permanecem de alguma forma - pois eu ainda não aprendi como desviar a existência do erro.
- Talvez, ao invés de perguntar e ameacar abocanhadas, a esfinge pudesse me ajudar a esconder os meus deslizes por debaixo do tapete do tempo - já que ela é assim tão boa em manipulá-lo. Mas, no fim, essa não é a razão de ser da esfinge. Tampouco os erros existem para serem empurrados para debaixo do tapete... -.
--- Imortal. Eu me lembro do gosto dessa palavra. "Jovens acham que são imortais, mas vivem a vida como se ela fosse acabar a qualquer momento". Não foi assim. Senti, é fato, a vida me escorregar pelos dedos, vez por outra. Era uma sensacão de poder, antes de qualquer outra coisa. Mas eu temi por ela, e a segurei. Hoje a tenho aos montes, mas me falta tempo para gastá-la. Valeu-me, então, a economia? Em minha ânsia por ser correta, eu temo ter deliberadamente aberto mão da imortalidade. E temo não ter errado tantos erros engracados quanto deveria. Já agora, meus erros só fazem resultar em explosão.
--- Mas a esfinge não tem todo o tempo do mundo, sabe? Há muita gente confusa por aí, com outras encruzilhadas para decifrar. Então ela diz ainda outra vez "Decifra-me, ou devoro-te".
--- E eu respondo: efemeridade. De repente, foram-se embora duas décadas. Em minha memória, talvez não haja nem um quarto delas. Em duas décadas, eu tive certezas, amigos, dúvidas... Eu chorei. Mas tudo, tudo passou. E também o que ficou já não é como outrora. E o que mudou, o fez de forma diferente. Eu sou efêmera, como a organicidade que me compreende. O meu mundo emocional, em sua incrível enormidade, é efêmero. Ele passará quando eu também o fizer. Duas décadas a mais passarão, num outro estalar de dedos. E, depois disso, outras ainda... .
--- Talvez a imortalidade seja mesmo um antídoto (tal é o efeito antagonizante dessa palavra se comparada com a efemeridade aqui tematizada). Mas, se assim o for, ela deve ser como a pedra filosofal. Mágica e desejável. No entanto - embora ninguém possa provar o contrário -, é difícil crer em sua existência. Talvez ela seja um dos muitos caminhos dessa sua encruzilhada, esfinge, mas como posso saber? Posso apensas torcer para que, embora submetida ao passar repentino do tempo, ainda haja o suficiente dele para descobrir. Aí está a sua resposta.
--- A esfinge me deixa passar. E, à minha frente, há uma quantidade tão abissal de caminhos que - grosseiramente e vistos de longe - acabam por parecer um só. Sorte - eu penso - espero ao menos tê-la.
--- Pois então. Não foi dessa vez que a esfinge me devorou. Da próxima vez... - eu repito em pensamentos - Na próxima encruzilhada. Sei que ela aparecerá suficientemente em breve.


" Mas agora, lá fora, o mundo todo é uma ilha. Há milhas e milhas e milhas de qualquer lugar..." *



* Trechos da música "Terra de Gigantes".

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Se houvesse algum Cuco, ele cantaria três vezes na sala de jantar e depois voaria para Noroeste. Isso se houvesse algum.

---Em meu quarto, o tempo psicologicamente parou noite passada. Do lado de fora da janela embassada, a noite era já alta e passava cruelmente. Ela dizia que logo viria o dia e, com ele, todo o vazio e falta. Ela dizia que a repeticão traz a loucura, mas que nem mesmo a loucura tem ímpetos de visitar o inferno. E, aos que possuem o inferno, somente resta o fogo.
--- Ontem o tempo parou em meu quarto, pois os minutos não seriam suficientes para conter a linha temporal que passou por minha cabeca. Dizem que quando alguém está para morrer, toda a vida lhe passa diante dos olhos. Mas ontem eu não estava para morrer. Antes fosse isso, pois ao menos seria um fim. Mas tudo o que restou foi a queda, e eu vi desmoronar, de pouco em vez, todos os significados de outrora. Foi um cair continuo que será eterno, ainda que somente na memória.
*** Eu queria poder não distribuir pedacos de alma. Eu queria não perder a mim mesma todas as vezes que o mundo cai. E eu queria que o tempo não tivesse parado, porque seria mais fácil passar por horas do que encarar a atemporalidade da dor. ***
---Quando os significados foram embora, eu nunca pensei que a consequência final seria ter a mim mesma levada com eles. Se eu soubesse que chegaria o tempo em que nada em mim restaria -a não ser o desejo de ser-, talvez eu não me daria ao mundo e passaria as tardes sozinha. E, com o costume, a solidão não seria assim tão ruim - se houvesse chá e bolos da baunilha com acúcar. (eu bem gostaria de viver alguns tempos em baunilha e acúcar... ) .
Se eu soubesse à tempo, talvez houvesse solucão.
---Ontem eu pedi para o ter arrancado e, conforme apaguei a luz, senti o peso de todos os meus demônios. Eles são seres rastejantes e nojentos e eu os teria longe de bom grado. E seria fácil ignorá-los por horas, digo ainda outra vez, se o tempo não tivesse parado. Mas com a atemporalidade e sede e fome, aquele último escape assume um quê de convite.
---Eu sempre soube que quando chegasse o dia em que as minhas definicões e contornos sumissem, eu seria destruída, eu sempre soube. E ontem, com o tempo parado, sussuros demoníacos por companhia e caneta e papel em branco - no espaco do desespero -, eu tive certeza. Agora que eles se foram, foi-se também a razão de ser. A falta me destruíria. Será que ela já o fez?
---E eu ainda me pergunto se foi muita pretencão falar do inferno.