sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Se houvesse algum Cuco, ele cantaria três vezes na sala de jantar e depois voaria para Noroeste. Isso se houvesse algum.

---Em meu quarto, o tempo psicologicamente parou noite passada. Do lado de fora da janela embassada, a noite era já alta e passava cruelmente. Ela dizia que logo viria o dia e, com ele, todo o vazio e falta. Ela dizia que a repeticão traz a loucura, mas que nem mesmo a loucura tem ímpetos de visitar o inferno. E, aos que possuem o inferno, somente resta o fogo.
--- Ontem o tempo parou em meu quarto, pois os minutos não seriam suficientes para conter a linha temporal que passou por minha cabeca. Dizem que quando alguém está para morrer, toda a vida lhe passa diante dos olhos. Mas ontem eu não estava para morrer. Antes fosse isso, pois ao menos seria um fim. Mas tudo o que restou foi a queda, e eu vi desmoronar, de pouco em vez, todos os significados de outrora. Foi um cair continuo que será eterno, ainda que somente na memória.
*** Eu queria poder não distribuir pedacos de alma. Eu queria não perder a mim mesma todas as vezes que o mundo cai. E eu queria que o tempo não tivesse parado, porque seria mais fácil passar por horas do que encarar a atemporalidade da dor. ***
---Quando os significados foram embora, eu nunca pensei que a consequência final seria ter a mim mesma levada com eles. Se eu soubesse que chegaria o tempo em que nada em mim restaria -a não ser o desejo de ser-, talvez eu não me daria ao mundo e passaria as tardes sozinha. E, com o costume, a solidão não seria assim tão ruim - se houvesse chá e bolos da baunilha com acúcar. (eu bem gostaria de viver alguns tempos em baunilha e acúcar... ) .
Se eu soubesse à tempo, talvez houvesse solucão.
---Ontem eu pedi para o ter arrancado e, conforme apaguei a luz, senti o peso de todos os meus demônios. Eles são seres rastejantes e nojentos e eu os teria longe de bom grado. E seria fácil ignorá-los por horas, digo ainda outra vez, se o tempo não tivesse parado. Mas com a atemporalidade e sede e fome, aquele último escape assume um quê de convite.
---Eu sempre soube que quando chegasse o dia em que as minhas definicões e contornos sumissem, eu seria destruída, eu sempre soube. E ontem, com o tempo parado, sussuros demoníacos por companhia e caneta e papel em branco - no espaco do desespero -, eu tive certeza. Agora que eles se foram, foi-se também a razão de ser. A falta me destruíria. Será que ela já o fez?
---E eu ainda me pergunto se foi muita pretencão falar do inferno.

2 comentários:

Laryssa Frezze e Silva disse...

Hei-ho!!!!
Eu entendo que prometi ter os espacos preenchidos com mais constância naquela minha última postagem... Mas a única coisa que tem-me sido difícil de manter é essa mesma constância que insisto em prometer. Muito tempo se passou antes que eu conseguisse colocar em palavras o que esse texto agora diz. Peco, ainda outra vez, desculpas pela demora. Puxa! Há tantas palavras orbitando ao redor da minha cabeca, e ainda tantas outras dentro de mim, que foi antes uma batalha do que um mero escorregar da caneta.
Enfim, eu espero ter conseguido alcancar ao menos a linha do sentido.

Muitos abracos,

Prunella B.

André Soares disse...

Sabe que esse texto traz consigo muito mais intensidade do que pode aparentar. É uma forma de leitura curiosa, pois essas palavras permitem que o leitor seja você por algus instantes. Eu pude - ou acho que pude - experimentar as suas emoções durante a leitura, e falta agora bem pouco para que eu possa me enquandrar numa crise de identidade. hehehe
Bom, o que eu quero dizer é que eu admiro essa sua vontade de carimbar quem você realmente é, no papel. Também é bonito ver que esse conflito de palavras que flutua nas suas ideias é tão significativo para outras pessoas, ainda àquelas que não participam diretamente da sua vida. Na verdade, acho mesmo que essa vontade de por o que você é nas coisas é inerente à sua alma de atriz e fico muito em saber que essa luz jamais se apagará em você. (mesmo no frio, hehehe)
Well, me alonguei um pouquinho porque não é de hoje que queria dizer o que disse.. Mas acho que esse texto foi o primeiro que apresentou essa temática de uma forma tão imensa e explícita.
Parabéns!
Bem, espero que esteja tudo bem por aí e que, quando voltar, não esqueça de nos fazer visitas às segundas e sextas ^^
Muitos Abraços!!