terça-feira, 5 de agosto de 2008

Orgulho de Desidério I: a normalidade.

---Normal. Defina-me normal. Que conceito mais vago, que palavra sem significado! A normalidade... Mera parenta da banalidade se quer saber. Igualar-se a todos, pensar ou agir da mesma forma. Então isso sim é normal.
---Pois bem, também é normal – presumo - usufruir dos mesmos prazeres, sentir-se confortável nos mesmos ambientes, e até mesmo – por que não – amar de forma igual.
E é ridículo. Dolorido de tão vergonhoso. Juntar-se a massa e seus prazeres mundanos. Voltar à velha vida, com suas constantes e frívolas aflições... Então, minha cara, defina-me a SUA normalidade. Diz, por bem, o que para você chega a ser considerado aceitável. Tenha a bondade de me esclarecer os fatos que faz questão de entrelinhar, esperando que eu encontre as respostas, onde não mais as vejo. Onde, na realidade, ignoro propositalmente, na maioria das vezes.
---Tendo sido isso devidamente esclarecido, partamos para outros pormenores. Esses - devo dizer - são por muito mais desagradáveis. Inevitáveis, porém. Estamos falando aqui de mudanças tão profundas, que já passaram da carne. Atrevo-me a dizer que já passaram também da mente, alojando-se na alma e de maneira eterna. Talvez não tenha ficado muito claro, portanto vou me explicar melhor: estamos nos focando num tempo que não foi medido por ponteiros, impossibilitando a marcação usual, embora ela exista. Não nego a existência do tempo e de seus relógios, acho somente outra unidade de medida muito mais conveniente com o momento. A medida usada é então a distância de corações - não por metros, não por milhas, mas - simplesmente pela cicatrização da ferida. E o que se faz quando esta já está de quase um todo fechada? Arranca-lhe a casca e expõe de bom grado a vermelhidão que é a carne ao céu aberto, ou espera que esta se feche por completo? (Foi uma pergunta por demais capciosa esta). A ferida jamais cicatrizará inteiramente, mas abrir seus pontos e esperar a dor pacientemente é loucura!
---Que seja loucura então! Ela permitiria muito mais prazer do que a razão, talvez... Talvez não. Não é saudável, porém, cair em seguida a uma já sofrida queda. Não é são se expor novamente àquilo que já não fez bem, certa vez. Então o que se faz é aceitar o consolo lento do tempo. È lento por demais, mas é o certo. O único que aos poucos vai embora levando a dor. E já se dizia ser o tempo o mais sábio, muito antes do tempo fazer-se necessário. Esse é quase sempre bem-vindo na juventude; na velhice é tão assustador como o ceifador em pessoa. Mas eu estou me perdendo em pensamentos. É da normalidade que estou falando, voltemos a ela.
---Muito bem, muito bem. Ainda não me foi definida essa sua amiga. Ainda não sei o que pensar a seu respeito. Tanto dela, como de você mesmo, embora reconheça certos traços, que me foram muito familiares em tempos passados. E dessa forma, somente dessa minha medida de distância – conheço-a muitíssimo bem – é que podemos tirar algum proveito para a presente situação.
---Certo. Seria possível que depois de tal distanciamento, de tal perda, as batidas cardíacas fossem restabelecidas na mesma freqüência com a qual viviam na passada normalidade? Com efeito, responda-me se puder, seria esse o desejo de ambas as partes? Pois é certo que o tempo, se medido de maneira comum, nada significaria comparado à enormidade vivida antes e usufruída quase que por completo. Mas acho que deixei bem claro que não estamos usando relógios, ou calendários para a medição.
---Pois bem. De fato, determinados laços não se desmancham com um simples puxão. Alguns outros, não se desmancham por nada nesse mundo. Então a classificação é difícil de ser feita agora. É sim, pois por muito considerei morta a relação que mantínhamos, e por muito usei violetas, em sinal de luto pela eventualidade. Jurei não mais voltar às boas, assim como acredito que você jurou também. E devo dizer que me vi surpreso, quando a vi em tentativas. Não surpreso de desgosto, pois que fique claro que - como sabe muito bem - a porta estava aberta para qualquer contato. Mas surpreso de alegre, por ver que orgulhosamente, uma barreira havia sido rompida em sua personalidade. Um sinal mais que claro de mudança, de crescimento.
---Então chegamos a um ponto que venho tentando abordar desde o começo. Essas tais mudanças são por demais saudáveis e bem-vindas. Infelizmente (ou felizmente, não saberia dizê-lo) aprendemos somente assim. Mas, por conta do distanciamento, não foram por nós mesmos acompanhadas. E, sinceramente, não tenho mais certeza de quem é você. Você, posso dizer com segurança, já não faz também idéia do que me tornei. Isso é triste, é lamentável, mas é assim. Que fazer? Ignorar as mudanças? Não é possível. Deixar de lado o tempo passado? Sejamos sinceros, isso não vai acontecer... Agora, o tempo – tantas vezes vilão antigamente – por misericórdia curou nossos machucados, de maneira tal, que estamos dispostos a esquecer as coisas ditas, as pensadas, e recomeçar. De tal forma fomos curados, que já não há ódio, e nem rancor guardados. Mas há tristeza e há receio, e isso não se modificará.
Certas coisas terão de ser deixadas para trás, e certos detalhes esquecidos para que seja restabelecida essa normalidade, que, de algum modo, já não é tão normal quanto foi num passado distante. E que fique claro que sinto muita falta desse passado distante. Tamanha é ela, na verdade, que já me peguei em desespero de saudade dos momentos que vivi, na grande maioria ao seu lado. Mas que posso dizer em minha defesa? Lá estava o tempo, infalível para consolar-me, e assim ele o fez. Por mais de vez sonhei com isso, literalmente. E eu sei que você sonhou também... Então ótimo, restabelecemo-nos. E agora o quê? Eu negociarei meus termos, você os seus. E voltaremos a que parte, a que estávamos pouco antes do declínio? Não seria de muita vantagem, não é mesmo?
---Você tem sido adorável, de uma maneira que eu não esperaria que fosse. Mas eu me pergunto se tudo isso foi só um grande espaço, ou se foi mais. Quero dizer, devemos crescer, e crescemos com nossos erros. Mas se todos os erros têm justificativa – e eu sei que esse teve -, então todos os acertos e reconstruções também precisam de uma justificativa tão, ou mais forte. Eu sinto a sua falta, embora já esteja acostumado com ela. E você sente a minha também. Mas não é bom que nos precipitemos. Nada acontece ao acaso, e nada que viveu um dia, morre por completo.
Assim como antes, o tempo fará o trabalho árduo. Deixar as coisas nas mãos dele é a melhor solução. E então, assim que for definido o que é normal, as coisas se encaixarão da melhor forma. E você sabe disso tão bem quanto eu o sei...
---Foi bom poder falar disso tudo. Um dia você saberá que penso assim. Depende somente do tempo agora marcar a data e o local. Por conta de minha honra, estarei lá. Não posso prometer mais que isso.

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